Vamos falar de AVC

Vamos falar de AVC

Um Acidente Vascular Cerebral (AVC), por vezes também chamado de “trombose”, é uma doença neurológica que resultada da interrupção de fornecimento de sangue a uma parte específica do cérebro, o que altera o correcto funcionamento cerebral e que resulta em danos nas células cerebrais, levando em última instância à morte do próprio tecido cerebral. Esta interrupção pode ter origem em duas situações distintas, sendo por esse motivo distinguidos dois tipos de AVC:

  • AVC Isquémico — este tipo de AVC é o mais comum, representando cerca de 80% dos casos. Traduz-se na obstrução do fluxo sanguíneo, geralmente devido ao bloqueio de uma artéria no cérebro, impedindo assim o fornecimento de sangue a uma parte específica desse orgão;
  • AVC Hemorrágico — menos frequente, este tipo de AVC resulta da ruptura de uma artéria intracraniana, levando ao extravasamento de sangue e danificando o tecido cerebral.

Por vezes, podem ocorrer “mini acidentes vasculares cerebrais”, os chamados Ataques Isquémicos Transitórios, nos quais se dá uma pequena interrupção momentânea do fornecimento sanguíneo a uma determinada parte do cérebro, sendo o mesmo rapidamente restabelecido. Ainda que nestes episódios não ocorra morte de tecido cerebral por falta de suprimento sanguíneo e a função cerebral seja restabelecida de forma rápida, estes devem ser encarados como um sinal de alerta pois podem indicar que um AVC Isquémico pode estar iminente.

É entre a comunidade mais idosa que os AVC são mais comuns, afetando mais as mulheres do que os homens, sendo que quase 60% dos óbitos por AVC ocorre em mulheres.

Por ano, 15 milhões de pessoas sofrem um AVC, dos quais 6 milhões não sobrevivem ao episódio. Em Portugal, os AVC são a maior causa de morte, tendo o País a mais elevada taxa de mortalidade de toda a Europa Ocidental. A incidência da doença é de cerca 25.000 pessoas por ano, das quais cerca de 10% resultam em óbito e cerca de 35% resultam em incapacidade elevada. Uma vez que o fornecimento de sangue é vedado a determinada parte do cérebro, as células cerebrais responsáveis por funções específicas podem ficar danificadas e impossibilitadas de cumprir a sua função, provocando incapacidade a longo prazo.

Ainda que a incidência de AVC esteja a diminuir, possivelmente reflexo do aumento de consciência da população de controlo de hipertensão arterial e dos valores elevados de colesterol, podemos reduzir ainda mais os números de incidências e fatalidades, com a aposta na prevenção e no diagnóstico e tratamento céleres, que resultam numa recuperação eficaz do AVC e na retoma das funções cognitivas e motoras.

Sintomas Principais

Os sintomas de um AVC podem variar bastante consoante o tipo de AVC sofrido (isquémico ou hemorrágico) e da parte do cérebro afetada, no entanto, sendo episódios geralmente súbitos, os seus efeitos geralmente também são imediatos. Uma vez que a extensão do dano causado pelo AVC está intimamente ligado ao tempo de atuação médica, é fundamental que a população conheça os seus sintomas mais típicos:

  • Assimetria facial – a face descaída para um dos lados, geralmente a boca;
  • Dificuldade em falar – incapacidade de encontrar as palavras certas e falta de articulação na formulação de palavras;
  • Falta de força – súbita fraqueza ou paralisia de um lado do corpo, como uma perna ou um braço, ou mesmo um lado inteiro do corpo.

Estes são geralmente os sintomas mais associados aos AVC e muitas vezes referidos como os 3 F’s aos quais temos de estar atentos — Face, Fala e Força.

Em caso de apresentação de algum destes sintomas, a pessoa deve ser imediatamente encaminhada para o hospital ou centro médico mais próximo. Não fique à espera que o sintoma desapareça.

Os AVC podem ser ainda acompanhados de outros sintomas, que também merecem o mesmo grau de urgência na sua observação:

  • Dor de cabeça súbita e intensa;
  • Perda ou redução de sensibilidade de um lado do corpo, ou membro (por exemplo não identificando a sensação de frio ou calor);
  • Confusão súbita, com dificuldade em compreender a linguagem ou lugar onde se encontra;
  • Alteração súbita da visão, com obscurecimento, visão turva ou perda de visão (em particular de um dos olhos);
  • Tontura súbita ou perda de equilíbrio e coordenação, com o corpo a pender para um dos lados ou arrastar de uma perna;
  • Tremores ou movimentos incomuns e descontrolados;
  • Sonolência súbita ou perda de consciência;
  • Perda de memória e confusão mental;
  • Náuseas e vómitos;
  • Pressão arterial subitamente muito elevada.

Os AVC podem no entanto acontecer sem relevar qualquer sintoma visível. Apenas após a realização de exames de rotina ou por outro motivo, se percebe que a pessoa sofreu um AVC. Por este motivo, pessoas que padecem dos fatores de risco devem efetuar consultas regulares com o seu médico.

Principais Causas

As principais causas para um AVC são em grande medida os fatores de risco que podem ser corrigidos, através de mudanças de hábitos de vida ou pela toma de medicação. Os fatores de risco mais prevalecentes são:

  • Hipertensão arterial
  • Diabetes
  • Dislipidemia (níveis altos de colesterol)
  • Resistência à insulina
  • Excesso de peso
  • Tabagismo
  • Obesidade (especialmente gordura acumulada em redor do abdomen)
  • Alcoolismo
  • Sedentarismo
  • Arritmia cardíaca
  • Apneia do sono
  • Depressão
  • Endocardite infecciosa
  • Vasculite (inflamação dos casos sanguíneos)
  • Consumo de drogas como cocaína ou anfetaminas

Existem ainda outros fatores de risco aos quais não somos capazes de dar resposta, tais como a idade, o sexo e a herança genética (esta última não apenas pela influência do histórico de saúde familiar mas também das características genéticas próprias de cada grupo étnico).

Diagnóstico

O diagnóstico para um AVC é sugerido pela combinação dos sintomas observados e dos resultados do exame físico efectuado por um médico. No entanto, de modo a que se consiga perceber com exactidão se de facto ocorreu um AVC e se o mesmo foi isquémico ou hemorrágico, devem ser efetuados diversos exames:

  • Tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM) – este exame permite visualizar se ocorreu um AVC e de que tipo, o local afetado e estimar há quanto tempo ocorreu. Permite ainda visualizar se as artérias se encontram obstruídas por algum coagulo ou se há indícios de aumento de pressão intracraniana;
  • Exames laboratoriais – deve ser medido imediatamente o nível de açúcar no sangue, uma vez que um evento de hipoglicemia (baixo açúcar no sangue) pode causar os mesmos sintomas de um AVC;

Existem outros exames de imagem, tais como as angiografias por TC ou a RM ponderada em difusão que também permitem avaliar a extensão dos danos causados pelo AVC.

O médico deve sempre procurar a causa do AVC, devendo assim pedir diversos exames adicionais, tais como:

  • Eletrocardiogramas (ECG), ecocardiogramas e exames de sangue para despistar influência cardíaca;
  • TC, RM e ultra-som para visualizar os vasos sanguíneos que vão desde o coração até ao cérebro;
  • Exames de sangue para despistar doenças que coagulem o sangue ou os níveis de oxigenação do sangue;
  • Exames a urina, para despistar consumo de drogas.

Com base nestes exames, o médico é capaz de avaliar o grau de urgência de intervenção e que tipo de intervenção deve ser feita, qual a necessidade e grau de reabilitação a efetuar, bem como instruir o paciente sobre as formas de este reduzir as hipóteses de novo AVC.

Tratamento

Após o diagnóstico, os médicos são capazes de determinar a gravidade e tipo de AVC e de que forma este deve ser respondido. Todo o processo deve ser o mais célere possivel, uma vez que por cada 15 minutos de atraso no tratamento o risco de fatalidade aumenta em 4%. Por este motivo, o internamento precoce é fundamental. Assim que o paciente é internado, existe uma janela temporal crítica de ação que irá permitir um tratamento eficaz e diminuir o risco de complicações e recorrência.

Se o paciente for diagnosticado com um AVC Isquémico, o mais comum, o tratamento pode passar por:

  • Administração de medicamentos anticoagulantes e antiplaquetários, bem como medicamentos para controlar a hipertensão;
  • Trombólise Endovenosa – administração intravenosa de medicamentos que permitirão dissolver o coágulo que se encontra a obstruir a artéria cerebral. Este procedimento deve ser efetuado nas primeiras quatro horas e meia após o início dos sintomas, havendo um sério risco de hemorragia após essa janela temporal;
  • Trombólise intra-arterial – procedimento cirúrgico em que se insere um cateter, geralmente numa artéria na virilha, que deverá chegar até a uma artéria do pescoço, sendo então passado por esse tubo um medicamento que irá dissolver o coágulo;
  • Trombectomia mecânica – procedimento cirúrgico em que se insere um cateter, geralmente na virilha, que deverá chegar até a uma artéria do pescoço, sendo então passado por esse tubo um instrumento mecânico que deverá remover fisicamente o coágulo;
  • Angioplastia – procedimento cirúrgico em que se insere um cateter, geralmente na virilha, que deverá chegar até a uma artéria do pescoço, sendo então passado por esse tubo um instrumento mecânico (pequeno balão) que deverá alargar e desobstruir a artéria. A angioplastia pode também incluir a colocação de um stent, que se trata de uma pequena rede metálica que deverá ficar instalada na artéria de modo a impedir que esta fique novamente obstruída;
  • Endarteroctomia – procedimento cirúrgico que visa retirar os depósitos de gordura nas artérias do pescoço que as obstruem.

Se o paciente for diagnosticado com AVC Hemorrágico, o tratamento será diferente do anterior e pode passar por:

  • Administração de medicamentos coagulantes, visando estancar a hemorragia. Podem ainda ser efetuadas transfusões de plasma fresco congelado ou de plaquetas;
  • Administração de medicamentos para controlar a hipertensão;
  • Procedimento cirúrgico no crânio para remoção de grandes quantidades de sangue ou colocação de um dreno para aliviar a pressão acumulada;
  • Procedimento cirúrgico em que se inserem através de um cateter pequenas espirais ou stents que deverão bloquear a ruptura do vaso sanguíneo que está a provocar a hemorragia.

O programa de reabilitação do paciente deve ter início logo após o internamento, podendo-se assim reduzir as sequelas do AVC.

Prevenção

Tal como com qualquer outra doença, a prevenção é sempre preferível ao tratamento. No caso dos AVC, esta máxima não foge à regra, pelo que devemos estar atentos e vigilantes aos fatores de risco modificáveis que aumentam a probabilidade de ocorrência de AVC.

Assim, devemos todos procurar implementar melhorias no nosso estilo de vida e controlar doenças e problemas de saúde que possam agravar os riscos de AVC:

  • praticar exercício fisico, como forma de controlar o excesso de peso e gordura acumulada, bem como a pressão arterial;
  • controlar os níveis de colesterol LDL, o chamado “mau colesterol”, através de alterações na dieta e redução de ingestão de gorduras saturadas que aumentem o risco de entupimento de artérias;
  • evitar a ingestão de bebidas alcoólicas, tabagismo e consumo de drogas estimulantes, como cocaína e anfetaminas, que alteram drasticamente o fluxo sanguíneo.

Pessoas que sofram de doenças como diabetes, hipertensão arterial e doenças cardíacas, devem ter um cuidado redobrado na monitorização da sua condição de saúde, efetuando exames médicos regulares, idealmente todos os anos.

Como evitar um novo AVC?

Após a ocorrência de um AVC, é de extrema importância tomar medidas que redução as chances de um novo episódio. Devem ser efetuados exames cardíacos e exames de imagem cerebral, bem como análises clínicas com periodicidade variável. O paciente deve ainda ser monitorizado em ambiente clínico de forma a vigiar os fatores de risco associados.

Um grande número de doentes, após um AVC, necessita de tomar medicação preventiva, geralmente para o resto da vida. Devem ser também adoptadas as mudanças de estilo de vida já mencionadas para a prevenção.

Quais podem ser as sequelas do AVC?

Como já foi mencionado, o grau de gravidade e duração das sequelas derivadas de um episódio de AVC estão intimamente ligadas ao tempo que decorre até ao tratamento do mesmo. Quanto mais rapidamente o paciente for tratado, menos graves serão as sequelas e melhores serão as chances de recuperação.

A gravidade e duração das sequelas estão também, de certo modo, dependentes do tipo de AVC sofrido (isquémico ou hemorrágico), bem como da zona do cérebro que foi afetada.

De forma generalizada, um episódio de AVC Hemorrágico pequeno e sem grande pressão intracraniana pode ser menos agressivo do que um episódio semelhante mas com AVC Isquémico, isto porque a afluência de sangue numa zona do cérebro provoca menos danos no tecido cerebral quando comparado à inibição de oxigénio para essa zona.

Se o AVC afetar uma área de elevada importância do cérebro, como é o caso das zonas que afetam o discurso ou as funções motoras, a recuperação pode ser particularmente difícil e morosa. Em situações em que o cérebro é afetado nas zonas responsáveis pelas suas funções motoras, pode ser desenvolvido um elevado grau de dependência de terceiros para a execução de tarefas simples, como comer, vestir ou andar. Estas situações podem ser responsáveis pelo desenvolvimento de depressão. A depressão pode e deve ser tratada.

O tempo de recuperação varia de paciente para paciente e também pelas características específicas de cada episódio.

Como forma de reduzir o impacto das sequelas do AVC, deve ser iniciado o processo de reabilitação logo no internamento, geralmente um ou dois dias após a chegada. Devem ser iniciados exercícios de fisioterapia para melhorar os movimentos, sessões de fonoaudiologia para melhorar a comunicação e sessões de terapia ocupacional. Com estas práticas pretende-se que o paciente recupere ao máximo as suas capacidades para a realização de tarefas e actividades diárias, que mantenha a sua forma física e que a sua qualidade de vida melhore, pretendendo-se ainda que o corpo e cérebro sejam reeducados, reaprendendo antigas habilidades e possivelmente aprender algumas novas.

A eficácia destes processos e sessões depende bastante da força de vontade e perseverança do paciente, pois os mesmos não terminam com a saída do hospital. Este deve ser um processo contínuo e que passa por sessões num centro de reabilitação, fisioterapia e terapia ocupacional, bem como pela prática de exercícios em casa e no dia a dia.

É importante reconhecer que atualmente as pessoas que sofrem de um AVC têm uma maior chance de recuperação e diminuição de gravidade e duração das sequelas devido à maior facilidade e rapidez de resposta, tratamento e acompanhamento em situação de urgência nas chamadas unidades de AVC dos hospitais.

Fontes

http://www.brasil.gov.br/saude/2012/04/acidente-vascular-cerebral-avc

http://www.rehabchicago.org/stroke—cerebral-vascular-accidents/

http://www.fondation-recherche-cardio-vasculaire.org/en/your-cardio-vascular-health/cardio-vascular-illnesses/cerebral-vascular-accident/

https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/stroke/symptoms-causes/syc-20350113

Stroke Association

Stroke Foundation

Centers for Disease Control and Prevention

Viver após um Acidente Vascular Cerebral – Recomendado aos Prestadores de Cuidados Informais, Direcção-Geral da Saúde, Lisboa, 2000

Sociedade Portuguesa de Cardiologia

Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral

https://www.msdmanuals.com/pt-pt/casa/dist%C3%BArbios-cerebrais,-da-medula-espinal-e-dos-nervos/acidente-vascular-cerebral-avc/considera%C3%A7%C3%B5es-gerais-sobre-o-acidente-vascular-cerebral

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